sexta-feira, 16 de março de 2012

DA POLÍTICA E DA POLITIQUICE (primeiro ensaio)



Dizem que a política é a arte de governar. Dizem que a politiquice é uma política mesquinha. Daí que, se nos dias que correm, a governação nos parece mesquinha, o que temos então é a primazia da politiquice sobre a política. Sem arte nem brio.
            O presidente da república anda a brincar aos amuos. Primeiro com a carestia da vida, depois com Sócrates, a rescaldar cinzas que há muito foram silenciadas, quer pela impunidade habitual com que as safadezas se safam, quer com a brandura com que se aceita que uma escuta seja muda. A verdade em Portugal é sempre inconveniente.
            O primeiro-ministro anda a brincar às crises. Umas a seguir às outras até que este país arrebente pelas costuras, porque a fome faz inchar a barriga. Mas não o podemos acusar de mentiroso: durante as eleições já ia avisando que as coisas iam ser difíceis. Nós é que fomos aceitando resignadamente que não há outra forma de criar riqueza em Portugal sem generalizar a pobreza primeiro.
            E depois temos a governação da nossa terra. Mas vamos ter de dar um desconto, porque todo o período eleitoral é mesquinho.
         Durante a visita estatutária a Santa Maria vimos generalizaram-se termos como concurso de ideias, projectos, lançamentos, propostas e o mais pomposo de todos: anteproposta. Vejamos este último de mais perto: anteproposta significa que uma proposta se antecipa de tal maneira à realidade que passa automaticamente para o foro da ficção científica. Como é que isto não pode ser outra coisa senão puro folclore da demagogia? Se calhar não podia ser de outra maneira. Habituaram-nos a esta arte de governar.
Quem lê as 26 deliberações do governo não encontra uma única referência às palavras emprego, sustentabilidade ou solidariedade. Na verdade, estas palavras há muito que andam arredadas da arte de governar a nossa terra. E, se pensarmos bem (ou muito mal), é de todo pertinente que se invista em estradas e caminhos e arranjos urbanísticos e pavilhões desportivos, sobretudo numa altura em que há tanta gente desocupada, forçadamente desocupada, a querer passear com dignidade de um lado para o outro à espera de melhores dias. Valha-nos a Secretaria de Ana Paula Marques para não darmos por inócua toda a acção desta visita estatutária. Só nos faltava dizerem que esta ilha, não sendo para jovens, também não é para velhos.
            Não nos podemos dar ao luxo de andar para trás. Esta é a parangona que marcou o discurso do candidato PS às eleições de outubro. Poderá aplicar-se a muitos contextos e a diversas realidades, mas não a Santa Maria. É que hoje estamos pior que ontem e cada dia que passa vamos estando pior. Muitos dirão que há 40 anos é que Santa Maria estava bem, mas isso é discutível, porque se no Aeroporto havia fartura e jardins perfeitos, nas freguesias passava-se fome e andava-se descalço. Não é preciso ir tão longe. Há um ano havia escolas e Espaços TIC a funcionar em todas as freguesias da ilha, havia menos desempregados, menos custos com prestações sociais, menos criminalidade e mais esperança num futuro melhor. Não nos podemos dar ao luxo de andar para trás? Quem nos dera! Meu rico subsídio de férias!
            E o pior vem sempre depois. Nem a SATA aterrou em Ponta Delgada e já temos conferências de imprensa a prolongar o bater de palmas, como se fosse preciso manter o eco das antepropostas! E depois temos a reacção do PSD a atestar o óbvio e a reacção do PS à reacção do PSD, a ver quem é que tem razão quando na política nunca ninguém deixa de a ter e só na politiquice é que se a perde.


           Santa Bárbara do Sol Nascente, 16 de Março de 2012, Daniel Gonçalves.