terça-feira, 26 de agosto de 2008

A ser novidade, só o é para alguns.........

Duarte Pacheco, médico e representante da Ordem nos Açores faz um diagnóstico profundo sobre o serviço regional de saúde e o balanço dos últimos quatro anos do sector. é uma entrevista que aborda de forma séria uma matéria que está no topo das preocupações dos cidadãos.
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O Estatuto Regional de Saúde tem cerca de nove anos. Que balanço faz?Duarte Pacheco (presidente da Delegação da Ordem dos Médicos nos Açores) - Grande parte do que foi proposto ainda não está aplicado e, entretanto, foram feitas alterações em nossa opinião, bastante profundas com a transformação dos hospitais em EPS que não foram perfeitamente colmatadas em termos do rearranjo da saúde na Região.

Reorganização descuidada

Pode explicar?

A Unidade de Saúde de Ilha era a base da filosofia do novo Serviço Regional de Saúde proposto pelo Governo Regional há nove anos e aprovado pela Assembleia Legislativa Regional há nove anos. O facto é que a Unidade de Saúde de Ilha, neste momento, só está a funcionar em São Jorge e no Pico. Em São Jorge existe há apenas dois anos.
As Unidades de Saúde de Ilha, nas ilhas onde existe apenas um centro de saúde, aparentemente não oferece grande dúvida porque não há o problema de ter que reagrupar os restantes centros de saúde. No entanto, há algumas propostas para a criação de uma Unidade de Saúde de Ilha (mesmo sendo numa ilha só com um centro de saúde) que estão no estatuto e que não são alicerce das duas Unidades de Ilha criadas.
Ficaram, até agora, de fora outras ilhas também importantes em termos de organização de saúde que são São Miguel, Terceira e Faial. São ilhas com mais população, com mais médicos, com mais instituições de saúde. Cada uma destas ilhas tem o seu hospital e, naturalmente, poderiam surgir algumas dificuldades na criação da Unidade de Saúde de Ilha. O que não há dúvidas é que é nestas ilhas será mais importante avançar com o processo de Unidade de Saúde de Ilha tendo em conta que as alterações propostas no Estatuto Regional de Saúde foram consideradas essenciais.

A filosofia de Unidade de Saúde de Ilha é exequível na ilha de São Miguel?

Nunca estivemos contra o princípio da criação da Unidade de Saúde de Ilha, no que respeita especialmente aos cuidados primários de saúde. A existência de uma gestão conjunta, em alguns aspectos, dos diversos centros de saúde existentes numa ilha é um princípio correcto que faz falta.
Não se compreende que não seja assim.
É conhecido que a Ordem dos Médicos tomou algumas posições críticas pondo em causa alguns dos parâmetros do Estatuto Regional de Saúde. Discordamos sempre da forma em que era proposta a reorganização do Serviço Regional de Saúde. Esta reorganização não foi tão cuidada. Deveria ter sido feita com mais atenção e de uma forma mais equilibrada.
Um dos pontos que a Ordem dos Médicos quer sempre discutir, procurando que haja um entendimento definitivo, é sobre o papel dos hospitais no sistema regional de saúde na ilha e na Região. Ou seja, a filosofia da Unidade de Saúde de Ilha é agrupar o hospital com os centros de saúde de cada ilha. O hospital, nesta situação, iria adquirir uma dimensão de ilha que se poderia sobrepor (especialmente o hospital de Ponta Delgada que tem uma abrangência maior) à dimensão regional que se pretendia e que é necessária para os hospitais. Esta dualidade de funções não foi, em nosso entender, devidamente reflectida, discutida e acautelada.

O Estatuto Regional de Saúde falhou neste domínio?

Tenho de olhar as realidades.
O Estatuto foi aprovado em Junho de 1999. E, como lhe disse, neste momento, só existem duas Unidades de Saúde de Ilha a funcionar. Só existem três autoridades de saúde de ilha, a mais recente das quais tem dias em São Miguel. Fora isso, mais nada ou pouco mais foi feito. O que é que terei de concluir? É que o Estatuto não está aplicado na sua plenitude.

O Governo deve refazer algumas normas do Estatuto Regional de Saúde?

O Estatuto foi aprovado na Assembleia Legislativa Regional e passou a ser lei. Os cidadãos, as instituições e as entidades devem cumprir a lei. Perante um Estatuto com o qual não concordava na sua plenitude, o que é que a Ordem dos Médicos poderia fazer? Não ia continuar a lutar contra um Estatuto que passou a ser lei. A proposta da Ordem foi pegar no Estatuto aprovado, continuar a discuti-lo e criar rearranjos e equilíbrios naquelas situações que consideramos que não são as melhores soluções para um regular e normal funcionamento da saúde e do Serviço Regional de Saúde. Do debate iriam surgir, de certo, os arranjos e as alterações necessárias para que o Estatuto Regional de Saúde pudesse ser mais eficaz.

É altura de o Governo fazer um rearranjo ao Serviço Regional de Saúde?

Está sempre na altura de o Governo fazer um rearranjo para o Estatuto Regional de Saúde ser mais eficaz. A Ordem defende sempre que está na altura de considerar a saúde, na Região, como um sector estratégico de primordial importância. É um sector a que o Governo tem de dar muita atenção, fazendo incidir nele grande parte dos esforços que a Região possa desenvolver, do ponto de vista político, financeiro, económico e de recursos humanos.

Precisa mais atenção A saúde não está a ser prioridade?

Todos nós percebemos (pelo menos eu, percebo isso perfeitamente) que a saúde não está a ser a prioridade do Governo dos Açores. Nos últimos tempos tem-se falado em contratos, em convenções na saúde, mas tem sido de há poucos meses para cá. Se formos rever as alterações e inovações que foram feitas, o crescimento que possa estar a surgir na saúde, percebemos que este sector não tem estado na opinião pública, não tem estado como uma situação prioritária naquilo que possa ser o interesse dos órgãos governativos. Há cerca de um ano falou-se na saúde para tudo voltar a cair no esquecimento. Agora, volta-se a falar nos contratos e incentivos que se criaram para os colegas de medicina geral e familiar. Isso comprova bem ser este um sector que está a necessitar de muita atenção (oh se tá....).A experiência do médico de família falhou?
Esta é a nossa opinião. Não é o problema do médico de família. É o problema da organização do Serviço Regional de Saúde que falhou a toda a prova. O estatuto aprovado pelo anterior governo (o primeiro de Carlos César) manteve o princípio que é correcto de que um serviço de saúde público assenta essencialmente nos cuidados primários de saúde. Assenta, portanto, nos médicos de família e nos centros de saúde. Eles seriam a porta de entrada no sistema. As populações seriam seguidas, em termos de cuidado de saúde, prevenção da doença, de promoção da saúde, pelos seus médicos de família. Os hospitais estariam destinados às situações agudas, para as complicações, para a cirurgias e para as diversas especialidades hospitalares que fossem necessárias. (pois..... o pior foi e ainda é pôr em prática este(s) princípio(s)....)

Onde é que o Serviço Regional de Saúde falhou?

Falhou o alicerce do Serviço Regional de Saúde, que são os cuidados primários de saúde, os centros de saúde, os médicos de família, as equipas de saúde de cuidados primários constituídas pelos médicos de saúde, pelas enfermeiras e até por um administrativo (que funcionam em equipa e funcionam bem). Estas equipas não se fizeram sentir por serem num número muito reduzido. Ou seja, 40% da população nos Açores não tem acesso a um médico de família. Isso é o mesmo que dizer que 40% do alicerce do Serviço de Saúde nunca existiu e não existe. Isso vem trazer disfunções a toda a orgânica do Serviço Regional de Saúde.
Por esta via o Serviço Regional de Saúde adoeceu.
Ele nem sequer completou a sua tarefa. Não conseguiu a cobertura ideal em cuidados primários de saúde. Não conseguiu o número de médicos de medicina geral e familiar minimamente suficiente. Não conseguiu o mínimo necessário de equipas de saúde.

Porque é que isso aconteceu?

Em alguns aspectos, posso pensar que isso aconteceu de uma forma incompreensível. A única explicação que poderá existir.
Fonte: correiodosacores de 25.08.2008